quarta-feira, 26 de março de 2014

ÓBICE TÃO SOMENTE...*


Óbice.
Nada que acaso sacie
[ ou mate
a voraz necessidade
[ ou a fome  
da própria morte,
perseguindo a vida  
do próprio homem.

Quer seja por azar
[ou por sorte.
Tanto  no palácio
na favela, no gueto
[ou na necrópole
do mar de lama
em que se transformou
[aos poucos,
e para todo o sempre
a metrópole. 

Óbice.
Nada mais que o valha
[sequer o nome.
Ou ainda quem sabe,
um Pai-Nosso,
um discurso vazio
e mentiroso.
[Um ato falho.
Uma ave-maria
como se fosse milho
jogado aos pombos.
[Um conselho.
Um defunto insepulto.
Um peso morto
a carregar pelo mundo
seu baú de osso.

Óbice.
Nada mais que se diga
[aos moucos.
Um silêncio aos gritos.
Uma sentença 
[de granito.
Boa vida
ou má sorte.

Óbice, óbice, óbice...
nada mais que nos surpreenda
[ou que  acaso mate,
sacie ou devore
a fome que temos
e nos devoramos.
Quer seja na vida
[ou no exato instante
da nossa  morte.
........................
(*) JC - Aurora - CE.
foto>JC

terça-feira, 18 de março de 2014

CASA VELHA*


Na curva daquela antiga estrada.
Existe uma árvore velha e centenária.
- Uma enorme Aroeira,
e bem ao lado dela,
uma casinha silenciosa e solitária.
Uma tapera abandonada,
de vara, de cipó, de taipa e palha.
Na frente da mesma,  uma moita de mufumbo, 
uma roseira, um pé de imbu, de pitomba,
e uma frondosa cajazeira.
Uma cerca, uma cacimba seca,
um pé de Juá, um mandacaru dentre outras cactáceas.
Ao lado da casa  existe ainda uma cancela, 
uma cruz de madeira.
Abaixo da Aroeira, uma botija de ouro encantada,
enterrada no seio da terra.
Tapera antiga de uma  megera, cachimbeira...
Uma  anciã rezadeira, ardilosa e feiticeira.
Depois do silêncio...
Um som de cigarra. O medo de alma penada.
Pura imaginação da meninada.
Apenas uma casa carcomida e mal-assombrada.
Na curva daquela estrada. 
Nada mais resta...
daquilo que ela foi um dia.
Além de uma ilusão antiga
- Uma mágoa. 
Uma angústia.  Uma solidão. 
E uma enorme lembrança 
que naquela casa velha
há muito e para sempre
também resolveu fazer morada.
...................
José Cícero(inédito 2014)
Aurora - CE.
foto: JC: Malhada Vermelha/Aurora.

NADA MAIS...*

Agora nada mais nos resta,
além desta solidão monótona
que como uma antiga réstia
resolveu fazer  morada
nas lembranças petrificadas
entre eu e ela.
Nada mais nos resta.
Nada presta agora,
além desta ilusão dolente
parada para todo o sempre
na soleira da nossa própria porta.

Nada que acaso valha,
sequer esta lembrança 
um tanto doída e ressabiada.
Uma saudade desmedida e desvairada.
como uma ferida em carne viva.
Uma fogueira apagada.
Uma dor intermitente.
Por fim, quem sabe,
e há que se diga
- uma saudade apenas.
Uma doença mal curada
e mais nada. 
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José Cícero
Aurora - CE.
foto: internet

quinta-feira, 13 de março de 2014

ESTUPIDEZ DO MUNDO...*


Há muito eu tenho e carrego dentro de mim  
por onde quer que eu vá ou ande.
- Mil demônios.
Quem sabe morando no meu âmago mais profundo.
Inquilinos sem nenhum escrúpulo.
Razão porque nunca estou seguro,
quando não sozinho
na companhia de mim mesmo.
Contudo,  na escuridão do meu juízo
tenho também alguns anjos tortos
- querubins e arcanjos decaídos.
Todos disfarçados como pierrôs danados
pulando e tamborilando  antigos carnavais
e frevos pernambucanos 
nos meus tímpanos.
Como de resto,  no meu cérebro alucinado.
Além  de todos eles,
ainda  tenho  e sinto comigo,
Talvez por puro convencionalismo roto,
fantasmas horrendos, que suponho,
serem todos  os meus inimigos íntimos.
Seres vis e perigosos.
Dignos de pena e de cuidados.
Plebe ignara e políticos corruptos
que  me perseguem sem compaixão ou piedade
pela vida a dentro...
Bichos safados, imundos e prostituídos
correndo atrás de mim pelo mundo.
Expondo-me ao perigo
do meu próprio racionalismo.
Como ainda, a sacanear meu senso crítico
e o tempo todo pondo-me em  risco.
Perseguido que sou
por  uma multidão de moribundos cachorros
que ainda por cima, se dizem civilizados.
Humanos irracionais e putrefatos.
Sociopatas escravizados.
Doentes animais mundanos...
Cães sardentos e danados...
Atravancando a paz do meu espírito,
além  da retidão do meu caminho
e do meu caráter.
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(*) José Cícero
Aurora – CE
foto: Jc/14

segunda-feira, 3 de março de 2014

EM PEDRA*


Nunca me cansei de pensar e contemplar por horas,
a  metafísica surreal das pedras,
além do imenso mistério contido na dureza
e na  delicadeza insólita 
das suas bárbaras formas geométricas.
Sempre me encantei diante da suavidade rude
e da paciência quase budista de todas as pedras.
Como igualmente, aprendi sob o silêncio gritante e existencial
que todas as pedras do mundo encerram.
Jamais me cansei de refletir, conversar e me abstrair com todas elas.
De indagá-las sobre  o imponderável  
de tudo aquilo que pela vida nos cerca.
De falá-las acerca das coisas mais prosaicas e mais complexas.
Do transcendentalismo do mundo e da própria vida.
Da filosofia incompreendida que nos toca, 
bem como da exiguidade do tempo e do eterno devir que me sufoca.
Do conceito estranho da tal física quântica, 
da estética da arte e da poesia métrica e moderna. 
Do espírito humano e da finitude de toda matéria.
Porque no fundo eu sei, que a ninguém é dado o poder de aprender
sem que antes tenha que compreender  
a essencial pedagogia  que possui a pedra.
Como ninguém pode ser sábio, 
sem antes conseguir absorver
a superlativa linguagem que possuem as pedras.
Sim, porque toda pedra constitui uma história.
A mais pura geologia de toda lógica
e da razão pura e prática.
A verdadeira  história da vida e da Terra 
encontra-se escrita sobre esta mundana e extraterrena rocha.
Sobre a superfície material de todas as pedras.
De tal maneira que sempre me eduquei 
e me tornei humanamente animal
através dos   diálogos que entabulei com  todas as pedras 
que um dia encontrei pela vida.
Sou simplesmente de  pedra. 
Como de pedra é meu sentimento e minha vida.
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* José Cícero (inédito-2014)
Aurora - CE.
Foto: Massalina do Rio Salgado(sítio Volta-Aurora).