terça-feira, 28 de abril de 2015

FECHAM-SE AS CORTINAS, ABUJAMRA PARTIU...*

Por José Cícero*
O pensamento e a arte brasileira ficaram mais pobres a partir da manhã de hoje(28) com a morte de Antonio Abujamra - ator, diretor de teatro, filósofo e apresentador do programa de entrevistas "Povocações" da TV Cultura. De longe o mais interessante programa(senão o único que vale a pena) da TV do Brasil, sobretudo pelo formato simples, inteligente e original.  Ao meu juízo, o único que merecia a gastança do nosso tempo em assisti-lo do começo ao fim, malgrado está inserido na grade de programação num horário estranho, ou seja, depois das 22 horas.
Figuras especiais como Abujamra deveriam viver para sempre, tamanho é o bem que prestam à sociedade quando ensinam e ajudam o povo a pensar sobre a vida, o mundo e sobre si mesmo. Portanto, mais do que quaisquer qualitativos pensamental ou  artístico, diria que Antonio Abujamra foi um homem de exceção como certa escreveu Nietzsche. Um pensador valente e ousado no sentido mais lato da palavra. Alguém que dedicou parte da sua vida à feitura da arte e o melhoramento do mundo ao disseminar a cultura do conhecimento e educação às pessoas, justamente num meio onde hoje, mais do que nunca, o que prevalece e faz sucesso infelizmente é a mediocridade e o lixo cultural. 
Mas nada disso desanimou Abujamra - Ele não temeu seguir o caminho inverso resolvendo dá a sua própria cara  à indiferença dos mandões da mídia marrom ao apresentar o seu 'Provocações' - algo realmente novo e  pioneiro  neste gênero. 
E assim conseguiu também ser engraçado sem que fosse preciso perder a ternura ou baixar o nível das discussões. Dotado de um senso de humor refinadíssimo e, apimentado com muita filosofia e poesia, Abujamra com seu estilo único  juntou num só espaço: jornalismo cultural, arte, política, literatura, filosofia dentre outros temas essenciais à reflexão e a crítica da sociedade. E assim, conquistou um público cativo e difernciado  ao comandar com maestria cerca de 695 edições do programa  no decorrer de  14 anos  de apresentação. Onde entrevistou grandes personalidades da vida social brasileira, entre as quais muitas gentes do povo que mesmo tendo tanto a dizer, não encontravam espaço nas outras emissoras. 
E  "O que é a vida?" Era com esta pergunta, aparentemente fácil mas, profundamente metafísica que o ator, diretor e apresentador Antonio Abujamra gostava de encerra o seu "Provocações", cujo último recentemente gravado em SP  irá ao ar na noite de hoje(28) no exato dia de sua morte.
"Como é que você gostaria de morrer?", "Quais são seus males?" e "Que pergunta você gostaria que eu tivesse feito e eu não fiz?" Estas eram algumas das cartas que o ator e diretor tinha na manga para investigar a personalidade de seus convidados. 
Ainda, no encerramento de cada programa lia sempre um texto belo e sugestivo, no mais das vezes de cunho filosófico ou poemático com a tela cheia com aquele seu olhar carregado de estranhamento e de verdade. O que tornava o programa de fato, uma enorme provocação.
Agora, com a partida inesperada de Abujamra fico me perguntando;  o que deve ser mesmo a vida. E penso que a vida é isso: viver  abujamramente com intensidade todos os momentos, fazer e doar o melhor de si de modo holístico, filosofar o mais que possível,  beber no cálice da arte e não ter muita preocupações comezinhas com a busca da tal felicidade. E, tampouco com o fim ao qual de algum modo estamos destinados.  
Sem ele, no mais fica o vazio e o tédio de uma TV ignominiosa  que a todo custo tenta mostrar para o povo que o mundo e a vida é tudo aquilo que se enxerga falsamente pela telinha. Mas Abujamra, alertou nos dizendo que não.
Vai em paz mestre Abujamra! Você fez muito mais do que podia no palco cinzento de uma vida madrasta. Fez o necessário, razão porque agora sabemos que a vida realmente precisa a qualquer custo valer a pena.
Não sei se te digo adeus ou até logo. Porque no fundo bem sei que a morte não existe por si mesma... a morte é tão somente uma evolução. Um passo à frente. O despertar para à eternidade. 
E se assim o é -  Então até breve meu mestre!
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(*) José Cícero
Secretário de Cultura e turismo
Aurora - CE.
foto: internet

terça-feira, 21 de abril de 2015

UM DEDO A MAIS DE PROSA SOBRE LAMPIÃO*


Muito já se sabe sobre a história de Lampião em seus quase 20 anos de intensas estripulias pelos sertões de sete estados nordestinos. Porém, ao contrário daquilo que muitos ainda imaginam, inclusive bons pesquisadores e outros “escribas livrescos”,  há muito ainda a ser desvendado e escrito acerca da saga lampiônica pelos grotões sertanejos.
Informações fundamentais para que se consiga de uma vez por todas, compreender tal história e assim, fechar-se o imenso círculo narrativo de toda esta complexa empreitada de quatro décadas chamada Cangaço.
De longe o mais importante fenômeno social já ocorrido nos sertões nordestinos e que teve na figura humana e singular de Virgulino Ferreira da Silva – o Lampião, o seu principal protagonista. Conquanto, quer seja como herói ou como bandido, o certo é que Lampião representa até os dias atuais um autêntico divisor de águas no que concerne à história sertaneja. Posto que, depois dele o sertão nunca mais seria o mesmo.  
Neste dualismo existencial, quer seja para o bem ou para o mal, os feitos produzidos pelo vilabelense rei do cangaço entraram para à história como algo imorredouro,  fornecendo ainda hoje  combustíveis inesgotáveis para grandes debates e discussões acaloradas. Algo tão comum quando se trata de grandes personagens da história humana na sua dimensão universal.  
O cangaço, portanto, com sua escalada de feitos e violências, a partir de Lampião ocupou de vez grandes espaços na agenda sociopolítica do litoral, chamando assim as atenções da opinião pública não somente de dentro do Brasil. Fazendo com que a sociedade da época começasse a dá-se conta da péssima situação de miséria, violência, injustiça, e abandono em que se encontrava submetida populações inteiras dos sertões do Nordeste por anos intermináveis de sofrimento e abandono. Só a partir de então, diria que efetivamente o sertão dos esquecidos passou a fazer parte do país dos poderosos. Porém a história dos oprimidos continuaria a ser escrita/descrita sob a pena dos vencedores.
O autor prof. José Cícero
O fato é que, Lampião, a um só tempo, foi vítima e também responsável por parte importante deste verdadeiro estado de barbárie quase absoluta que se abatera sobre os rincões inóspitos e abandonados do interior do Nordeste pelos poderes da capital. Razão porque(hoje mais do que nunca) é preciso analisar de modo objetivo e distanciado de quaisquer ranços de ódio ou de paixões, as muitas faces e roupagens com que se vestiu o espectro  do cangaço em sua dimensão mais  realista e mais cruel. Assim como todas as motivações que se impuseram sobre os povos dos sertões forçando muitas vezes a ingressarem na vida cangaceira, seja por vingança ou mesmo por pura necessidade de sobrevivência.  
Muitos dos quais como jagunços à serviços dos coronéis seus patrões. Depois, como integrantes de grupos e subgrupos de temíveis cangaceiros que durante aqueles anos infestaram a região de uma ponta a outra. No mais das vezes indivíduos perigosos e sanguinolentos acostumados ao sofrimento de um mundo sem lei para os quais a única lei que realmente valia era a “lei do cão”, cujo roubo, a vingança, a morte e o uso da força  eram  no senso comum de sua maioria a expressão mais forte e mais sentida.
Neste aspecto, é possível muito bem se afirmar que a dinâmica do coronelismo da época que grassava pelos sertões muito pouco se diferençava do cangaço em seu modus operandi corporificado por sua sanha absurda de criminalidade, opressão, pilhagem e injustiça de toda sorte. De modo que, em ambos os casos, foram sempre os sertanejos mais pobres, suas vítimas em potencial. E neste contexto em que se precipitaram todos aqueles acontecimentos dantescos, Lampião e sua gente, seriam apenas mais um, que por vingança, sobrevivência ou manutenção da honra acharam-se no ‘direito’ de tentar fazer justiça pelas próprias mãos.
Como se percebe, mais uma evidência de que quando o Estado não se impõe aos homens por um dever de justiça, os homens se voltam contra o Estado como que pela justiça do dever. E assim, ambos se fazem criminosos, tanto pela indiferença quanto pela omissão de todos em relação ao bem comum. E nesta correlação de forças, o povo do sertão foi o grande derrotado.
Por conseguinte, com ou sem a marcante presença de Lampião(um homem que se fez valente para não sucumbi), os sertões nordestinos nunca foram o tal ‘céu de brigadeiro’ como se fingia crer a maioria perante a manutenção do status quo dos poderosos em sua aparente tranquilidade bizantina.  Assim, de modo um tanto quanto enviesado e incompreendido, eis que Lampião – o sertanejo, continua ainda hoje(quem sabe) a pagar sozinho o alto preço de uma injustiça institucionalizada que se fizera madrasta dos necessitados ao longo de todo este tempo.
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(*) José Cícero ______
Professor, Pesquisador, Escritor
e Conselheiro do Cariri Cangaço.
Autor do livro 
"LAMPIÃO em Aurora: Anters e Depois de Mossoró"(Inédito)